sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Doenças silenciosas

Tudo o que seja doença silenciosa que não tenha um nome assustador como cancro, diabetes ou colesterol elevado é como se não existisse, especialmente quando o afectado é um colega de trabalho. Um dia, entre quatro amigas, discutíamos as enxaquecas, que afectam duas de nós, e as alergias, que afectam as outras duas. Saiu-me uma frase que, creio, resume tudo. As alergias são uma coisa horrível e até incapacitante (não me venham dizer que são uns espirrinhos). Mas ao menos as alergias são visíveis. Se tens os olhos inchados e vermelhos, se espirras como uma possuída e dás cabo de três maços de lenços em meio dia é óbvio para toda a gente que estás doente. As enxaquecas, para dar o exemplo de doença silenciosa que me afecta, não têm sinais exteriores além da cara miserável que qualquer um põe nessa situação. Mas caras miseráveis é o que mais há por aí e, além de provocadas por milhentas outras razões, podem perfeitamente ser falsas. A única vez em que, numa situação de trabalho, olharam para mim e perceberam imediatamente que eu não estava nada bem (apesar de não saberem o que tinha) foi em Chelas, lugarzinho maravilhoso, numa escola óptima, perante uma turma de criancinhas do 3º ano do pior que já tive que domar. Estas pestes, difíceis de controlar, consistentemente mal-educadas e, em muitos casos, com problemas na vida mais graves do que eu e algumas pessoas que conheço juntas, olharam para mim mal tínhamos entrado na sala de aula, calaram-se como por magia e perguntaram com uma cara assustada "Teacher, o que é que tem?". Se não estivesse tão mal-disposta acho que me teriam vindo as lágrimas aos olhos. Aquelas crianças, normalmente indiferentes a tudo e todos além deles e dos seus amigos, olharam para mim e viram a minha doença estampada na minha cara. E, acreditem, a cara com que habitualmente encarava aquela turma já não era das melhores (adoptei e estendi com algumas turmas o adágio não mostres os dentes até ao Natal). Estava para morrer nesse dia, quase não conseguia raciocinar e qualquer barulho explodia na minha cabeça como uma bomba. Aquelas pestes conseguiram o milagre de me perceber doente antes de eu lhes dizer e não só. Conseguiram respeitar a minha doença, portaram-se impecavelmente, trataram-me como a um bebé e ainda se lembraram de me desejar as melhoras conforme saíam disparados da sala em direcção a casa depois de um dia de trabalho. Nunca colegas de trabalho me mostraram a mesma consideração. Como disse num comentário a um post anterior, uma amiga, que consegue sofrer mais de enxaquecas do que eu, chegou ao limite um dia quando, em pleno emprego, não aguentou as náuseas e saiu disparada para a casa de banho. Há semanas que pedia aos colegas para não fumarem no open space onde todos trabalham. Nunca foi ouvida. A doença dela não se vê, deve ser só mais uma maníaca anti-tabagista que resolveu chatear-nos. Só depois deste triste episódio se aperceberam do que ela sofria, aflita da cabeça, mal disposta, a ter de trabalhar no meio de um cheiro que dá nauseas a muita gente que não sofre de enxaquecas. Todos os médicos a quem me queixo das enxaquecas me perguntam se há hereditariedade. Que eu saiba, não, nem na família alargada. Consegui herdar uma data de coisas más de uma data de gente da família e ainda juntei uma doençazinha só minha...

2 comentários:

fd disse...

Já tinhas relatado as histórias que aqui apresentas, agora mais detalhadamente. Realmente, nas doenças ou estados silenciosos, aplica-se aquela frase batida (“só quem passa por elas”), porque a sensibilidade não abunda e o próprio, por várias razões, também acha que se deve silenciar, num ciclo que se alimenta.

Depois das desatenções e desconsiderações, no meio da debilidade, quando alguém tem um gesto, uma frase, mesmo aparentemente insignificante, surge “aquela” emoção, por até estarem a reparar em nós.

Sobre as enxaquecas existe muita especulação e incertezas. Deixo aqui o que fui apanhando, além de alguma experiência pessoal. Além da hereditariedade, podem ser provocadas por estados de cansaço ou irritação, estímulos visuais, odoríferos, auditivos, ou surgir após hipoglicémias (por não comer regularmente) ou estado de hipotensão (abusando do execício), e ainda pela ingestão de certos alimentos (ovo, chocolate, …). O ideal é o próprio identificar padrões que possam despoletar a enxaqueca e evitá-los, se possível. Além disso, durante a manifestação dos sintomas, não convém contrariar o corpo e dar-lhe rapidamente o que quer: repouso, num quarto escuro, sem ruídos. Por vezes, com as pernas levantadas, encostadas a uma parede, até repor a repor a tensão arterial. E analgésicos, conforme a intensidade da dor e a teimosia e resistência do individuo, digo, peixe :)

Gi disse...

Se as fortes dores de cabeça já são difíceis de suportar...

PS.:Também trabalho em Chelas. :)