sábado, 26 de junho de 2010

Com um sorriso

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Teria eu os meus 8 ou 9 anos quando fui um dia ter com a minha mãe ao emprego. Na altura trabalhava perto do Largo do Carmo, num pátio de prédios antigos pintados de cor-de-rosa claro com as ombreiras das janelas e das portas em pedra branca e porosa, tão característicos da Lisboa velha. Provavelmente, terei saído da escola*, ido directamente ter com ela e passado o resto da tarde a brincar pelo escritório. Por volta das 17h30 saímos as duas e devemos ter descido pelo Elevador de Sta. Justa até à Baixa e seguido pela Rua Áurea** até à Praça do Comércio, onde fizemos slalom na diagonal por entre os carros que na altura a enchiam até chegarmos ao Torreão Este da Praça.
No meio do passeio, mesmo ao lado do Torreão, uma senhora vendia hula-hoops, os arcos que na altura eram, aos meus olhos, o brinquedo-sensação. Provavelmente pela vigésima vez, pedi à minha mãe se me comprava um, aquele de cor rosa clarinho como os prédios onde ela trabalhava, que ali estava a ser apregoado. A resposta da minha mãe foi um premeditado "Eu compro-to, mas só se souberes brincar com ele, senão não serve para nada". Teremos pedido à senhora para eu o experimentar e eu enfiei-o pela cabeça, ombros e tronco até o encostar a um dos lados da cintura. Era o brinquedo da moda, mas eu pouco ou nunca tinha brincado com um pois para a escola não podíamos levar nada além de livros. Terei inspirado fundo e posto a língua de fora, tique que ainda trai a minha criancice cada vez que me esforço por fazer algo que exige destreza, e girei o arco enquanto movia a cintura como via os meninos fazerem na televisão. E, para maior espanto meu que da minha mãe, a coisa girou. E continuou a girar e a girar até que um sorriso conseguiu fazer retrair a minha língua para trás dos dentes. Eu sabia brincar com o arco! E a minha mãe lá me comprou o círculo de plástico cor-de-rosa claro, como os prédios da Lisboa antiga, que girou pelo meu corpo muito tempo, até que a passagem do mesmo, o uso e a força do sol que batia na varanda onde guardava os brinquedos o esbranquiçou, secou e, finalmente, quebrou.
Ontem no Vondelpark um grupo de adolescentes treinava artes circences com arcos e fitas. Aposto que ainda sei "brincar" com um arco.

* bons velhos horários em que após as 15h ou 15h30 já não havia escola mas alguém que ficasse connosco e nos passeasse e deixasse brincar à vontade;
** adoro quando alguém não sabe que é o verdadeiro nome da Rua do Ouro.
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9 comentários:

Rita Maria disse...

Grande post Goldfish Maria.

Goldfish disse...

Espero que seja grande pelo conteúdo e não pelo número (apreciável, tenho de o admitir) de palavras.

jonah disse...

lembro-me tão bem :)

Goldfish disse...

Do arco cor-de-rosa? A sério?

Gi disse...

Também gostei do post (mesmo das letras pequeninas).
Vais procurar um hula-hoop e experimentar? :-)

Goldfish disse...

Hula-hoop, é isso!

fd disse...

Deve ter sido uma grande conquista. Tenho saudades da linearidade desses desafios.

jonah disse...

do arco cor-de-rosa, precisamente! e também me lembro do chorão que andava sempre contigo e era quase maior que tu (eu tinha um igual) e dos patins de ferro - os patins! - e das nossas bicicletas :)

Goldfish disse...

fd, não imaginas o meu contentamento - o facto de eu e a momentU ainda nos lembrarmos de uma bocado circular de plástico cor-de-rosa diz muito!