quinta-feira, 15 de abril de 2010

Avô querido

A alegria de o ter aqui comigo esbate-se um pouco com a percepção do quanto mudou nos últimos anos. Creio que será a falta de ouvido que o faz fechar numa concha, sempre calado, sempre para trás nos passeios, sem comentar ou opinar sobre seja o que for. Será o peso dos 89, going on 90, mas custa-me. Sinto-o só, apesar de acompanhado, e por muito que tente não o consigo chamar para ao pé de mim, para ao pé de nós. Não responde. Ou não ouve. Ou, quem sabe, não quer ouvir. Não recordo a brusquidão de certos comentários, a falta de paciência para tarefas que outrora eram um prazer, a brusquidão com que reage a coisas que antigamente apenas lhe mereciam um sobrolho franzido ou um abanar de cabeça. Tenho medo que se sinta mal, inútil, mal-amado, incompreendido. Mas acho que já não consigo chegar a ele. Tenho receio que já não sinta o nosso amor. Raios partam a velhice.

8 comentários:

jonah disse...

raios partam!!!

jonah disse...

estive a pensar... não há palavras que lhe possas dizer que superem um mimo, ou muitos mimos...

macaca grava-por-cima disse...

:-( este post toca-me de uma maneira tão especial... um beijinho para esse avô querido e para a neta atenta

Pólo Norte disse...

:) Um beijinho

Fuschia disse...

Entendo-te. Nunca vou estar preparada para ver o maior apoio que tenho, envelhecer. Devagarinho lá vai ele, mas custa muito.

(A minha mãe está a ficar surda e sim, isso isola-os muito, ela queixa-se do mesmo. Tenta falar com o teu avô frente a frente, com calma, porque provavelmente as conversas de grupo para ele são confusas e cansam-no).

Beijinhos

Pitucha disse...

Os gestos e os sorrisos chegam, por vezes, mais longe do que as palavras.
Uma festa pode ser o teu "abre-te sésamo".
Beijos

Goldfish disse...

É uma tristeza... Mesmo com gestos, continuo a achar que se sente só.

fd disse...

Coincidência ou não, conheço/conheci pessoas com falta de audição que são/eram fechadas. Mudanças nas características físicas alteram a “personalidade”, sendo assim esta também uma projecção do estado fisiológico. Lá no fundo, tal como não desapareceu o teu amor, também não desapareceu a percepção deste. Está diferente. Temos de nos adaptar às mudanças e também adaptar a forma do que temos para oferecer. Sim, raios partam…