Há coisas que não se explicam e a neura que me percorre hoje o espírito é uma delas. Está um sol espectacular, tenho visitas já amanhã, a vida deve ir mudar de novo e de resto tudo está na mesma, menos esta tristeza que me pesa hoje como se me tivesse morrido alguém. E poucas coisas me mandam abaixo como a tristeza - desenvolvi uma capacidade (um pouco estranha, acredito, aos olhos de outros) que é a de não deixar a tristeza assentar em mim. Posso senti-la, muito até, mas por pouco tempo. Tenho que a despejar, expulsá-la do meu corpo, com mililitros de lágrimas que me queimam a face mas que desaparecerão com uns salpicos da torneira. E depois de lavada deixo-a para trás, pouso-a numa qualquer dobra da mente e sigo em frente, como se nada se tivesse passado. As coisas mais graves apago-as, mesmo. Tenho uma espécie de tecla delete no cérebro que apaga os contornos mais dolorosos das cenas, dos traumas, dos desgostos que me foram marcando e se há coisa que não suporto é comemorar datas tristes. Por precaução, o cérebro tende também a esquecer as datas importantes e felizes, mas esse é um preço que estou disposta a pagar. Quem sabe, hoje será uma data apagada. Mas presente, inconscientemente, nesta dor que me aperta o peito e na necessidade de chorar que me tirou antes do necessário da rua, pois nem óculos escuros disfarçariam convenientemente o caudal que se adivinha.