sexta-feira, 30 de julho de 2010

Estórias do Portugal não-profundo

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Uma amiga começou um trabalho há uns tempos, foram-lhe renovando os contratos até que agora, finalmente, lhe propuseram a efectividade. A felicidade foi de pouca dura. Ao explicarem o que lhe estavam a propôr, uma coisa ficou clara à partida: o ordenado declarado (às finanças e à segurança social) seria o ordenado mínimo, o restante, até cerca de 800€, seria pago por fora. Cerca de metade do ordenado seria pago por fora, sendo que a minha amiga já nem precisava de apresentar despesas como talões de gasolina (o velho esquema) apenas recebia "por fora". Incomodada e numa posição de não saber o que fazer foi falar com a amiga que lhe tinha dado a dica de que havia uma vaga naquela empresa (claro, de que outra forma se arranja emprego em Portugal? Anúncios no jornal ou nos sites de emprego, não?). A resposta da amiga foi "Mas estamos todos assim...". E agora a minha amiga é mais uma que "está assim". Mais uma a chular o Estado. Mais uma a sacrificar o montante da sua suposta e hipotética reforma. Mais uma a contribuir para que esse país não passe da cepa torta. E não, não a culpo, nem sequer a julgo - sei bem o tempo que passou até conseguir este emprego, e a opção voltar ao desemprego não é de se tomar de forma leve. Critico a empresa. Uma "empresa portuguesa". Em que a dona ainda é chamada "a patroa". Que tem visão para o seu próprio negócio mas não para mais, não para o bem-estar dos seus empregados, não para o bem-estar do país. Que tem, provavelmente, a 4ª classe como a grande maioria dos "empresários" portugueses (qual era a percentagem, mesmo? 80 e muitos %? 90%?) e que sabe todos os rios e afluentes portugueses e, até, as estações e apeadeiros das linhas férreas de Angola e Moçambique. Mas que de gestão percebe a do seu próprio bolso. E cujo modo de funcionar é sancionado por um Estado que tem plena consciência do que se passa, de como tudo funciona, desde os ordenados reais aos declarados e às carradas de falsos trabalhadores independentes a recibos verdes. E são estas coisas que transformam a alegria de voltar à minha terra, à minha cidade, à minha família e amigos numa bola de nervos no meu estômago.
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4 comentários:

Rachelet disse...

Por essas e por outras (isto em vez de melhorar, só vem a piroar; já nem sabem que mais apoios retirar) é que cada vez mais pondero a sério emigrar.

Fuschia disse...

Não vale a pena criticar porque quem já esteve no desemprego e sabe o custa a arranjar outro, sabe ficar desempregada não é opção.

A unica solução, era se todos nessas circunstâncias se queixassem à Inspecção do Trabalho. Conheço pessoas que o fizeram (mas apenas depois de terem sido despedidas, lá está, falta sempre os cojones para o fazermos antes) e foram muito bem tratadas e acompanhadas. Mesmo a nível de contratos eles ajudam a rever tudo legalmente, em caso de despedimentos são eles que se vão entender com o patrão etc.

O problema (e isso ainda me deixa mais triste) não são os patrões com a 4ª classe. Porque eu conheço gente, muito boa (mesmo), com licenciatura, mas quando se tornam patrões...são todos, todos iguais. O instinto é meter ao bolso. Se isso é uma questão cultural? Talvez..Ou "apenas" um defeito humano.

Goldfish disse...

Percebo-te Rachelet, e acredito que penses nisso mas, infelizmente, a emigração não foi feita para mim.

Fuschia, de facto, quem tem mais formação ainda deveria ter mais vergonha na cara e pode ser que não tenha. Mas esta é das da 4ªa classe, e se são cerca de 90% dos empresários... Por muito bons que os outros fossem, não fariam estatisticamente a diferença.

CF disse...

Uiii, existem milheres assim, é terrível.