Eu já sabia que a minha mãe não é uma mãe qualquer - é a minha mãezocas. E sei que, além de ser uma mãe fora do normal, é uma pessoa especial, com uma sensibilidade e bom-senso dignos de um (novo) livro, com uma coragem infinita (tirar a carta aos 59 não é para qualquer um) e uma força de vontade que consegue, se não mover montanhas, pelo menos fazer mover um tornozelo que em vez de articulação tem uma prótese resultante de 3 anos de operações, gessos, parafusos, placas e sabe-se lá o que mais. Não, a minha mãe não é uma mãe qualquer. Mas agora, além de especial, é uma pessoa famosa! Sim, porque ninguém é alvo de um abaixo-assinado se não for famoso... Que fixe, pode ser que ganhe uns cobres e possa vir visitar-me mais vezes sem ir à falência com os preços da TAP e da KLM! Não, mas espera aí... Um momentinho, faxavô! A minha mãe não é famosa - não está nos jornais, na TV (nem na I) nem nas revistas cor-de-rosa. Então se não é famosa, há abaixo-assinado para quê? Ah... é um abaixo-assinado contra ela por causa do lugar de estacionamento para deficiente! 'pera aí! Contra?? Contra?!? Contra o quê? Ah, e tal, as pessoas da rua acham que ela não deve ter direito ao lugar de estacionamento à porta de casa. As pessoas da rua acham? Mas quais pessoas da rua?! E acham que não deve ter direito?! Mas que conhecimentos têm de medicina para acharem?! Ah, pois, não sei, mas acham e agora estão a fazer um abaixo-assinado.
Ok. Estão a fazer um abaixo-assinado contra a minha mãe porque ela, enquanto portadora de deficiência, declarada por uma junta médica do centro de saúde da zona de residência, exerceu o seu direito de pedir junto da Câmara de Lisboa, apresentando a documentação necessária, um lugar para estacionar o carro. Acho que sim, fazem bem. Primeiro, porque ela nada tem a temer nem a provar. Segundo, porque talvez seja o início de um espírito de comunidade participativa que tanta falta faz ao nosso país - pode ser que, depois de darem com os burros n'água (como diz a minha avó) se lembrem de lutar por outras coisas, essas sim, tão necessárias à nossa cidade, à nossa freguesia e, também, à nossa rua. A começar, talvez, por uma escola que tente educar "as pessoas" para respeitarem a lei, não fazerem julgamentos apressados e baseados nas primeiras impressões, deixarem de se meter na vida dos outros e, last but not least, não julgarem os outros pela sua própria medida - não foi nenhuma cunha que conseguiu aquele lugar, só a aplicação da lei, que cunhas não conhecemos; e se a minha mãe não passa a vida a lamentar-se pelas dores que tem naquele pé, não é porque não as tenha, é porque não faz o seu feitio - basta olhar para o inchaço do pé e do tornozelo, para a cor avermelhada da pele, para as cicatrizes que se cruzam e para os dedos encolhidos de um pé que tem quase dois centímetros a menos do que o outro para se perceber que saúde e ligeireza, ali, já não há. Ainda há poucos dias escrevi sobre a mesquinhez nas relações laborais. Infelizmente, esta característica tão triste do nosso rectângulo não se limita às relações profissionais, antes sai do dia-a-dia e da maneira de ser das pessoas para o local de trabalho. É triste.
6 comentários:
A mesquinhez é própria de quem é pequeno, inculto e muito, muito mal-educado. Infelizmente temos um longo percurso pela frente.
A tua mãe que não passe muito cartuxo a isso. Se tem legitimidade, como parece ter, não tem que se preocupar com nada. Ela que os mande pentear macacos.
Olha, não conheço a tua mãe, mas se ela quiser podemos as duas começar um abaixo assinado para acabar com a ignorância, a estupidez e a maldade na rua dela. Que tal, hei?
Ok, acho que ela vai gostar. Primeiro mandamo-los passear macacos e depois chateamo-los até à morte com um novo abaixo-assinado. Acho que sim. :)
inacreditável a que ponto a estupidez humana pode chegar! ainda não acredito no que li!
Eu assino o contra abaixo-assinado! Desta vez a favor...
Cambada de imbecis!
Beijos Gold e Goldmother.
Vamos ver onde chega a idiotice, mesmo... Confesso que, ao mesmo tempo, estou curiosa. Sabem qual é o problema? É as pessoas acharem que os deficientes ou andam de cadeira de rodas ou são cunhas... Nós bem ouvimos dos vendedores de automóveis a bela frase "Ah, mas já que tem a isenção do IVA porque é que compra um carro tão pequeno e fraco? Assim não aproveita quase nada..." Aproveitar?!? O que a minha mãe "aproveitava" era ter o pézito como novo! Até pagava o IVA com um sorriso nos lábios! Vou dando notícias da evolução do caso.
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